1 de jan. de 2011

ii


Sempre quis voar. Não muito diferente de todos os que já viram algum pássaro cortar alguma nuvem por aí. Fica difícil entender por que não temos asas, por que nossa liberdade é tão limitada. Sempre quis voar, mas diferente de todos os que já admiraram o vôo de um pássaro por aí, eu descobri que posso criar minhas próprias asas.
Os muros já não são suficientes, minhas asas já não se escondem sob as roupas. As penas se soltam pelas mangas da camisa. Ainda ando pela casa, meu único mundo, minha única dimensão, ainda ouço o som das correntes arrastando, o som que me acostumei a ouvir. Ainda abraço as pessoas que já não me identifico, aquelas que já me acostumei a ter, aquelas que o meu egoísmo já tragou. Ainda tenho a impressão de ter nascido errado, mas o problema não sou eu. O problema é o mundo. A inadequação me ensinou a viver, mas preciso me livrar dela, antes que me torne inadequado demais até para mim mesmo. Ainda vejo a vida pela janela do quarto.
Olho a vida através de um vidro, de vez em quando ele embaça, mas o que acontece se um dia ele quebrar? Pressiono os dedos contra as fissuras da janela. Fecho os olhos. Ouço os estilhaços. Fecho os olhos para o quarto. Abro os olhos para a vida. Eu caio, mas caio seguro, tenho minhas asas.  A queda segue lenta. As asas falham. Começo a duvidar se um dia elas existiram. O chão estilhaça os vidros, os meus ossos, o meu sorriso. Com o rosto no chão e consciência escorrendo pelo asfalto. Vejo as penas caírem lentamente, dançando com o ar elas caem ao meu lado, leves, brancas e puras. Então eu percebi. Minhas asas estavam lá, mas eu nunca aprendi a voar.